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A minha primeira ida ao Estádio da Luz

(Artigo publicado no Diário Insular e Correio dos Açores)

Este mês, e para começarmos o ano em grande, decidi escrever sobre a primeira vez que fui ao (antigo) Estádio da Luz. Lembro-me perfeitamente. Devia ter uns 10 anos e apesar de já ter visitado Lisboa antes, esta é das primeiras vezes que me lembro de estar na capital portuguesa. Estava com o meu querido avô Manuel que, depois de tanto o chatear (logo ele que é sportinguista ferranho) lá aceitou – os avós fazem tudo pelos netos. Levou-me ao estádio para tentarmos comprar bilhetes para o jogo que acontecia uns dias depois. Não que seja relevante, mas enquanto procurávamos a bilheteira nos arredores do estádio avistei o Vítor Paneira, estrela da altura, com quem acabei a tirar uma fotografia. Sorte de principiante, eu sei.

Chegado o grande dia fomos ao jogo num estádio que estava a abarrotar. Eu já tinha ido às Festas Sanjoaninas com os meus pais. Já tinha vivido o dia das marchas com intensidade e já tinha até ido a touradas de corda nas freguesias da ilha onde se vê “povo comâ bicho”, mas confesso, ver aquele estádio a transbordar pelas costuras deixou-me boquiaberto. Às tantas, mesmo antes do jogo começar, e enquanto via a águia a voar por entre milhares de cachecóis a abanar ao som do hino do Benfica, perguntei ao meu avô quantas pessoas ali estavam. Ele respondeu: “Ora aqui estão… – olha em volta ajeitando os seus óculos de massa, quase como se as estivesse a contar e, passados uns segundos, encolhendo os ombros, diz -… umas 100 mil pessoas”. Permaneci em silêncio sem perceber muito bem o que significava aquele número. Ele continuou, “…se meteres toda a população da Ilha Terceira aqui, o estádio não enche. Ficam quase metade dos bilhetes por vender”. 

Fiquei perplexo e a tentar absorver a imensidão do que me tinha dito. A minha mente não conseguia compreender como é que tinha ali mais gente do que no dia das marchas das Sanjoaninas ou do que a tourada de S. Carlos. Era impensável. Foi a primeira vez que me apercebi que, de facto, a Ilha Terceira (e os Açores) são um local com baixa densidade populacional.

E porque é que isto é relevante para os empreendedores localizados nos Açores ou em regiões de baixa densidade como os Açores?

Porque o facto de a Ilha Terceira não encher o Estádio da Luz demonstra que o mercado interno é pequeno, pequeníssimo, na verdade. 55mil pessoas, no caso da ilha Terceira, é um micromercado. Noutra qualquer ilha, mesmo em S. Miguel onde vivem 130mil pessoas, continua a ser um mercado pequeno. Pior, os Açores enquanto Região são um mercado que não é só pequeno como é fragmentado. Investir num negócio – qualquer ele que seja – virado para o mercado interno não é (salvo raríssimas exceções) competitivo, tendo retorno limitado e alta vulnerabilidade a mudanças e alterações que possam ocorrer neste mercado – quantos e quantos empreendedores locais já me disseram, “o restaurante até correu bem nos primeiros meses, mas depois a ‘moda passou’ e os clientes deixaram de aparecer. Tivemos de fechar”.

Os clientes não deixaram de aparecer, os clientes, passada excitação de experimentar a novidade, não existem em número suficiente para que o negócio seja sustentável.

Significa isto que criar um negócio nos Açores é impossível face a este (e outros) handicaps estruturais? Claro que não! Há sim que ter consciência destes desafios para quando se está a preparar o modelo de negócio definirmos estratégias adequadas. Assim, sugiro que se procure: 1) direcionar o negócio para a exportação (no seu todo ou, pelo menos, em parte) o que permitirá “aumentar” a dimensão do mercado. Veja-se o exemplo do restaurante ‘Beira-Mar’ na Ilha Terceira onde se encontram residentes, mas que é simultaneamente um ponto de paragem obrigatória para turistas comerem lapas e crácas com fartura num restaurante típico e com uma vista soberba, conseguindo assim aumentar a “dimensão” do seu mercado, alcançar outros mercados-alvo inexistentes na Região e, claro, diminuir a dependência ao mercado interno. 2) Desenvolver projetos com elevada diferenciação, especializados e com ‘marca’ (preferencialmente se ligada à Região). Projetos de produtos / serviços que se posicionem nos mercados como “top of mind” e, no fundo, que permitam gerar margens elevadas para que se consiga cobrir os custos de transporte inerentes a estarmos numa ilha, os custos de produção (atingir economias de escala nas ilhas é outro handicap claro nos Açores) e, naturalmente, obter lucro que torne sustentável o projeto em questão.

Se isto for feito conseguiremos ter mais projetos que criam valor na Região, sustentáveis, que potenciam o que a Região oferece, em vez de se andar constantemente a esbanjar – sim, é este o termo – apoios em projetos sem sustentabilidade económica e que, mais do que apoio para o investimento inicial, vão exigir apoios constantes posteriores num ciclo de subsidiodependência que não é benéfico para ninguém.

Passados já muitos anos desta gloriosa ida ao Estádio da Luz, e tendo-me dedicado nos últimos anos ao estudo do empreendedorismo e criação de negócios, costumo utilizar regularmente em palestras e formações esta história de mensagem simples, mas de ensinamento valioso, que o meu avô Manuel, talvez sem se aperceber, me deu naquele dia. Tenho até a ideia que já apresentei e defendi em diversos fóruns em Portugal e no estrangeiro de que deveríamos ser uma Região Gourmet – com produtos / serviços de pequena escala, mas de elevada diferenciação / qualidade e, claro, de preços elevados. Mas este tema vou deixar, quem sabe, para um futuro artigo. Afinal, hoje foi dia de falar da minha primeira ida ao Estádio da Luz.

André Leonardo

www.AndreLeonardo.com

About the author

Empreendedor | Viajante | Autor & Orador

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