A Pandemia, o Empreendedorismo e os Açores.
(artigo publicado no Diário Insular & Correio dos Açores)
Sou um, confesso, nerd no que toca ao empreendedorismo e aqui faço o meu disclaimer antes de começar o artigo de opinião em si: Estudo a temática há quase 15 anos, sou professor de empreendedorismo no ISCTE-IUL, tenho-me especializado em empreendedorismo em territórios de média-baixa densidade populacional e já falei com empreendedores nos 4 cantos do mundo desde milionários até aos bairros de lata, entre uma outra série de aventuras. Analisei centenas de conceitos de negócio, desenvolvi projetos nos países nórdicos, mas também em África. Nunca me deram nada e estou treinado para ver oportunidades nas crises e tentar tirar o bom no meio do caos. Hoje consigo olhar para os Açores tendo (por vezes) os pés fora, mas o coração sempre cá dentro.
Tenho assistido a imensas reportagens nacionais e internacionais que procuram refletir sobre o futuro do trabalho. Num ápice e desde Março passado, uma boa parte do mundo ocidental ficou a trabalhar a partir de casa devido à pandemia de covid19 o que gerou (e gerará) imensos desafios, mas também oportunidades.
Se antes fazer uma reunião via Zoom era quase uma ofensa para o cliente, fornecedor ou parceiro com quem íamos reunir, hoje é normal. Trabalhar a partir de casa não é mais uma ‘vergonha’, hoje é uma realidade e necessidade. Se antes ‘casa’ era o lugar onde (nas grandes cidades) íamos basicamente dormir e ver séries, hoje é uma local que mistura vida pessoal e profissional que tem forçosamente de coexistir. As empresas estão já a adaptar-se havendo inclusivamente (já em Portugal) organizações a alterar os seus escritórios tornando-os sobretudo em espaços agradáveis para convívio, fazer reuniões e equipados com estúdios que permitem o contacto entre as (poucas) equipas que estão no escritório com as restantes que trabalham e trabalharão cada vez mais remotamente.
Isto veio para ficar.
Em consequência desta realidade que nos está a bater à porta, viver e trabalhar em Lisboa, Londres, Nova Iorque ou na Fajãzinha na Ilha das Flores, nas vinhas em São João da Pesqueira ou numa casa com vista para as praias do Porto Santo no arquipélago da Madeira será mais ou menos a mesma coisa porque, afinal, o trabalho é feito num portátil. Passamos de uma cultura onde era preciso cumprir horários sentado a uma secretária num determinado escritório para uma cultura onde é necessário, sobretudo, criar valor e cumprir objetivos até um determinado prazo, independentemente de onde e quando seja feito o trabalho. A responsabilidade e autogestão diária é feita por cada um.
Consequência direta disto? Uma reinvenção completa da forma como se trabalha, como se vive e, parece-me, uma oportunidade de ouro para se combater o fenómeno da bipolarização em Portugal e dar espaço aos territórios de média e baixa densidade para crescerem económica e socialmente. E deixem-me que vos diga, a Fajãzinha (ou qualquer outra freguesia dos nossos Açores) é bem mais interessante que Londres. Claro que ir às lojas de Londres pode ser giro pontualmente, mas na nossa terra temos ar puro, cascatas lindas, preços de habitação muito inferiores e uma qualidade de vida absolutamente imbatível.
Se aliarmos a isto (finalmente) a nossa posição geoestratégica, no meio do Atlântico e no centro do mundo, estamos perante uma oportunidade de ouro enquanto Região para nos posicionarmos como ponto de fixação não apenas de nómadas digitais que viajam pelo mundo trabalhando através do seu computador, mas também de um mar de gente que, acredito, irá começar a sair das grandes cidades e a procurar poisos onde possam ter mais qualidade de vida e melhor equilíbrio da sua vida pessoal e profissional.
Conheço várias Regiões de média-baixa densidade pelo mundo que estão já a dar passos largos neste sentido… poucas tem aquilo que nós temos: calma, paz, tranquilidade, vista mar ‘por todo o lado’, centralidade e infraestruturas.
Quem sabe não temos aqui uma oportunidade para fazermos verdadeiramente acontecer os Açores de forma integrada e sustentável?