Update 2 – Caminho de Santiago
Já terminei o Caminho de Santiago. Foi uma experiência muito dura fisicamente mas muito boa para a mente e alma.
Aqui fica um segundo update destes dias pelo Caminho de Santiago (caminho francês).
Dia 20 de Novembro (dia 9 Camino)
Foram 23km com muita chuva e frio. Nunca iria desistir mas confesso que estava com tanto frio e tão molhado da chuva que desejei, por momentos, ir para casa. Ao fim de 30m tinha água nos pés o que fez aumentar o numero de bolhas nos pés. Foi mesmo muito doloroso mas… já está. Já passou. Amanhã é outro dia.
Dia 21 de Novembro (dia 10 Camino)
À saída do albergue para começar este dia, o espírito era o melhor. A chuva era muita e o terreno não era o melhor mas nada que não faça parte de um jornada que se espera “maior”. Ao final do dia escrevi este post:
“Primeiro vem a dor. A ferida abre e a magoa é grande. Aliás é insuportável, irrespirável. Caiem as lágrimas pela cara abaixo entre os dentes cerrados. Não há amanhã, não há mais nada, só um pesar como nunca havíamos vivido.
Mas, a vida segue, o caminho continua mesmo com dor e depois, passado algum tempo, e sem darmos conta, as bolhas transformam-se em calos e as feridas começam a sarar. A pele que começa a aparecer é agora mais rija e preparada que a anterior. Mais forte.
Há um dia em que a dor, sem sabermos como, começa a tornar-se tolerável. Ficam as mazelas e as memórias do que nos causou tamanho sofrimento, estas que sabemos perfeitamente onde estão, ali mesmo arrumadas, mas preferimos não lhes mexer. Nunca mais talvez. Quem sabe estamos agora ‘curados’ e preparados para ‘novos futuros’ e eventuais novas feridas que nos levem a ser (ainda) mais fortes.
É assim no Caminho de Santiago, é assim na vida.
Hoje comecei a sentir algum alivio”.
Dia 22 de Novembro (dia 11 Camino)
Pedro e Javi são galegos e irmãos. Conheci-os há 3 dias, estávamos nós ‘perdidos’ no topo da montanha a 1.400m de altitude. Meti conversa com eles usando o meu portunhol e desde aí temos caminhado juntos.
Pedro tem 50 e poucos anos, trabalha numa multinacional. Javi tem 10 anos menos. Pedro conta-me que decidiu fazer a viagem porque “…há alturas na vida em que a razão, a ciência e a lógica não funcionam, não são opção. Ai agarramo-nos ao ‘acreditar’ e à fé. É tudo o que nos resta”. Pedro fez uma promessa e está a fazer o caminho para a cumprir. Javi, mais jovem e preparado fisicamente, veio acompanhá-lo.
Têm sido impecáveis comigo, tratam-me como um irmão mais novo.
Hoje atingimos uma marca gira: faltam “apenas” 50km para chegarmos a Santiago! 50km! Está quase! Parece surreal! Já quase que vejo e sinto a Catedral de Santiago! Caramba, já fiz mais de 300km! É do outro mundo!
Estou muito feliz por ver o final da viagem aproximar-se, aliás o meu corpo suplica-o a cada passo. No entanto é curioso que, de alguma forma, estou triste por ver que está a terminar. O sentimento de tranquilidade que se vive por estes caminhos, a paz de espírito, os ‘amigos’ que se fazem de forma rápida e intensa assim como o espírito de entreajuda entre todos os peregrinos vão deixar muitas, muitas, saudades. O trajecto é feito de forma pessoal e introspectiva mas o caminho também são as pessoas <3
Hoje, em Melide, fizemos uma pausa a meio do nosso trajecto para comer o famoso polvo local e brindar com cervejas galegas a que cheguemos juntos e com saúde a Santiago de Compostela! Está quase!
Dia 23 de Novembro (dia 12 Camino)
“Con esfuerzo, constancia e ilusión el camino te lleva a donde tu quieres llegar”
Amanhã faço os últimos 20km desta jornada!
Que “viagem”…
Dia 24 de Novembro (dia 13 Camino)
Fiz hoje os últimos 20km. A chuva torrencial e o vento não me largaram todo o dia o que tornou o ‘camino’ muito difícil até ao último passo… muito difícil mesmo. Cheguei com muito frio, completamente encharcado, com os pés ensopados, com alguns kgs a menos, com 2 unhas em falta, com mais bolhas nos pés do que gostaria, com falta de pele em algumas zonas dos pés, imensas dores nas costas, muitas tendinites nos joelhos e tornozelos mas… consegui! Depois de 350km cheguei!
Mas mais do que isso, sinto a alma mais limpa. Que “viagem”…
A emoção de chegar a Santiago e ver a Catedral é absolutamente indescritível. Quando cheguei tirei o capuz e fiquei 10m à chuva. É algo que só se vive, não dá mesmo para explicar.
Muito obrigado a todos os que ao longo desta jornada me enviaram mensagens, e-mails e comentários, alguns dando força, outros preocupados com a minha condição física… muito obrigado mesmo. Prometo responder a todos nos próximos dias.
Que a paz de espírito que se vive nestes caminhos, a tranquilidade, assim como o espírito de superação e de amizade se propague no tempoa todos nós.
“Buen Camino” a todos. Na vida e, se um dia assim o entenderem, até Santiago.